Tenho diante de mim, na mesa de lazer,
que já foi mesa de trabalho, uma pequenina Virgem – que é miniatura da imagem encontrada
nas águas do rio Paraíba no início do século 18. A imagem da ‘Senhora
Aparecida’, preta e nua de paramentos, é muito mais autêntica e bela do que aquela
azul, coberta de brocados e coroa de ouro, como todos conhecemos.
Adquiri essa imagem uma semana
atrás, quando estive em Aparecida a fim de cumprir um voto antigo: entregar
minha longa jornada de trabalho. Antes
de entrar no magistério, fui comerciário, operário, lavrador e biscateiro. Foram
mais de cinquenta anos mourejando num trabalho intenso, penoso e mal remunerado
para, finalmente, conseguir a aposentadoria.
Com uma vida tão sofrida, a cada
embaraço que surgia, um desânimo me tombava e eu me fechava cético. Com a maturidade,
porém, entrei numa fase mais transcendental. Quando as coisas apertavam, eu
buscava amparo nas preces, e assim fui rompendo barreiras e transpondo obstáculos.
Não sei se “combati o bom combate e guardei a fé” como fez Paulo, o apóstolo,
mas com muita certeza houve combates, e com pouca certeza houve fé. Mas preciso falar sobre minha viagem à
Aparecida.
Essa foi a terceira vez que
estive naquelas terras. Na primeira vez eu estava me despedindo da
adolescência; na segunda vez eu entrava na maturidade; e nesta terceira vez já
sou debutante da “terceirona”.
O Santuário de Aparecida é um
templo a céu aberto. Onde quer que se vá veem-se ícones religiosos e monitores
transmitindo rezas, missas etc. Tudo lá é grandioso e belo. As monumentais
fachadas com seus mosaicos são uma atração à parte. Mas aquela cidade não é
para muitos. Uma decepção. Explico.
Quando se fala em “devotos de
Nossa Senhora”, sempre penso nas pessoas mais simples, pobres mesmo. Mas no
Santuário não há espaço para esses. Tudo lá é muito caro e parece que foi feito
apenas para rico (ou para pobre sem juízo). Como não sou rico e tenho juízo, sou
excluído de tudo aquilo. Continuo.
No subsolo do Santuário há a
‘Casa do Pão’, que é administrada pelos redentoristas (eu sei porque perguntei).
Pensei: ali vou poder matar minha fome. Padres são bonzinhos e têm compaixão
dos devotos. Peguei uma fila na qual fiquei mais de uma hora. Que decepção!
Aqui vai um conselho. Quem tem pouco
dinheiro, fuja da ‘Casa do Pão’. Lá, o pobre que chega com o estômago vazio, tem
que vender as tripas para fazer o desjejum. Um cafezinho, que vem num copo de
plástico, mais um biscoito frito, bregamente
chamado de ‘donat’, não saem por menos de quinze reais. E não adianta procurar
pão com manteiga na ‘Casa do Pão’ porque você não vai achar. Hotéis,
restaurantes... esqueça! Se você levar de casa uma marmita e um saco de dormir,
talvez seja uma alternativa.
Pretendo voltar a Aparecida, não
como peregrino, mas como turista. Em casa eu rezo e faço penitência; em Aparecida
posso rezar, mas quero mesmo é apreciar os tesouros arquitetônicos – e sem muita
penitência.
E por falar em oração, pergunto: por
que num santuário mariano, onde as mulheres deveriam ser protagonistas, a “Consagração a Nossa Senhora” é sempre feita por homens? Se alguém puder responder, eu
agradeço.
FILIPE
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