domingo, 12 de fevereiro de 2023

NA CASA DA MÃE PRETA


Tenho diante de mim, na mesa de lazer, que já foi mesa de trabalho, uma pequenina Virgem – que é miniatura da imagem encontrada nas águas do rio Paraíba no início do século 18. A imagem da ‘Senhora Aparecida’, preta e nua de paramentos, é muito mais autêntica e bela do que aquela azul, coberta de brocados e coroa de ouro, como todos conhecemos.

Adquiri essa imagem uma semana atrás, quando estive em Aparecida a fim de cumprir um voto antigo: entregar minha longa jornada de trabalho.  Antes de entrar no magistério, fui comerciário, operário, lavrador e biscateiro. Foram mais de cinquenta anos mourejando num trabalho intenso, penoso e mal remunerado para, finalmente, conseguir a aposentadoria.

Com uma vida tão sofrida, a cada embaraço que surgia, um desânimo me tombava e eu me fechava cético. Com a maturidade, porém, entrei numa fase mais transcendental. Quando as coisas apertavam, eu buscava amparo nas preces, e assim fui rompendo barreiras e transpondo obstáculos. Não sei se “combati o bom combate e guardei a fé” como fez Paulo, o apóstolo, mas com muita certeza houve combates, e com pouca certeza houve fé.  Mas preciso falar sobre minha viagem à Aparecida.

Essa foi a terceira vez que estive naquelas terras. Na primeira vez eu estava me despedindo da adolescência; na segunda vez eu entrava na maturidade; e nesta terceira vez já sou debutante da “terceirona”.

O Santuário de Aparecida é um templo a céu aberto. Onde quer que se vá veem-se ícones religiosos e monitores transmitindo rezas, missas etc. Tudo lá é grandioso e belo. As monumentais fachadas com seus mosaicos são uma atração à parte. Mas aquela cidade não é para muitos. Uma decepção. Explico.

Quando se fala em “devotos de Nossa Senhora”, sempre penso nas pessoas mais simples, pobres mesmo. Mas no Santuário não há espaço para esses. Tudo lá é muito caro e parece que foi feito apenas para rico (ou para pobre sem juízo). Como não sou rico e tenho juízo, sou excluído de tudo aquilo. Continuo.

No subsolo do Santuário há a ‘Casa do Pão’, que é administrada pelos redentoristas (eu sei porque perguntei). Pensei: ali vou poder matar minha fome. Padres são bonzinhos e têm compaixão dos devotos. Peguei uma fila na qual fiquei mais de uma hora. Que decepção!

Aqui vai um conselho. Quem tem pouco dinheiro, fuja da ‘Casa do Pão’. Lá, o pobre que chega com o estômago vazio, tem que vender as tripas para fazer o desjejum. Um cafezinho, que vem num copo de plástico, mais um biscoito frito, bregamente chamado de ‘donat’, não saem por menos de quinze reais. E não adianta procurar pão com manteiga na ‘Casa do Pão’ porque você não vai achar. Hotéis, restaurantes... esqueça! Se você levar de casa uma marmita e um saco de dormir, talvez seja uma alternativa.

Pretendo voltar a Aparecida, não como peregrino, mas como turista. Em casa eu rezo e faço penitência; em Aparecida posso rezar, mas quero mesmo é apreciar os tesouros arquitetônicos – e sem muita penitência.

E por falar em oração, pergunto: por que num santuário mariano, onde as mulheres deveriam ser protagonistas, a “Consagração a Nossa Senhora” é sempre feita por homens? Se alguém puder responder, eu agradeço.

FILIPE 


 

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