Em certa ocasião, ainda nos meus
“verdes anos”, estava de passagem por Ouro Preto e tencionava ir a Ponte Nova.
Parece que não havia rodoviária na cidade e eu tive de esperar o ônibus na
rodovia. Mal chegara ao local, uma caminhonete parou e o motorista perguntou qual
seria meu destino. Respondi que não tinha parada certa, mas iria a Ponte Nova.
De lá, seguiria para outras cidades e meu último porto seria Juiz de Fora.
Entrei na caminhonete já preocupado em ter que puxar assunto como forma de pagamento
pela carona. Não foi difícil. Conversa vai, conversa vem, ele me disse que tinha
fazenda em Mato Grosso e que estava à procura de trabalhadores. O ordenado era
equivalente a uns três salários mínimos – nada mal para aqueles tempos bicudos
de início dos anos oitenta.
Naquele tempo, eu tentava ganhar
a vida mascateando pulseiras de relógio e percorria várias cidades da Zona da
Mata e do Sul de Minas Gerais. Embora meu trabalho fosse precário, desconfiei
da oferta tentadora e não quis me aventurar nas terras mato-grossenses.
Já passados quarenta anos daquele
episódio, vem-me a certeza de que a empreitada seria uma cilada para jovens
desempregados. Eu teria sido escravizado numa fazenda e meu destino seria muito
incerto. Pelo que leio no noticiário, o agenciamento de trabalhadores para ‘cativeiro’
segue um roteiro como aquele dos anos oitenta. Salário generoso, alojamento,
alimentação, transporte... e uma observação:
“todo mundo quer emprego, mas ninguém quer trabalhar”.
Conheço bem os escravizados ou
semiescravos. Na infância convivi com pessoas nessa situação, particularmente os
lavradores meeiros. Nessa modalidade de servidão, muitas vezes o lavrador é
quem preparava a terra, semeava, cultivava e depois, na colheita, o dono da
fazenda só aparecia para abocanhar a metade. Ainda: se o meeiro morasse na
fazenda, sua obrigação era de ajudar o patrão a plantar toda a lavoura dele. Depois que aquelas roças fossem preparadas é
que o empregado ficaria liberado para cuidar de seu roçado – muitas vezes em
solo bruto, pedregoso, infértil e distante; ao dono eram reservadas as melhores
terras.
E tem mais. O empregado ganhava
uma merreca pelo dia trabalhado nas roças do ‘seu senhor’ e as condições eram
deprimentes. Descalço e de roupas rotas, ele levava de casa um caldeirãozinho
de comida rala da qual se servia fria sentado no cabo da enxada sob o sol
quente. O patrão não lhe oferecia sequer um cafezinho.
Se o sertanejo alcançasse a
velhice, que lhe vinha precoce, por volta dos cinquenta e poucos anos, ele seria
dispensado. Alquebrado, maltratado pelos sóis e chuvas intermitentes, o “homem velho”
não aguentaria mais um verão na fazenda. Então sua choupana deveria ser desocupada
e nela se instalaria ‘outros braços’, agora jovens e fortes.
Naqueles tempos longínquos, o
homem do campo não se aposentava. Improdutivo e doente, passava seus últimos dias
vivendo de caridade na casa de parentes ou, com sorte, findaria na tal “vila
dos pobres”.
Ironicamente, foi na ditadura
militar que a sorte do sertanejo começou a melhorar. Em 1971, Emílio Médici, o
mais sanguinário dos ditadores, concedeu ao trabalhador rural (homem e com 65
anos) o benefício de meio salário mínimo (200 reais atualizados). Após a Constituição
de 1988, homens e mulheres do campo puderam se aposentar com um salário mínimo
(ela aos 55 anos, e ele aos 60 anos).
FILIPE
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