O relógio acima ficou famoso não
por ser raro e caro, mas pelo enredo em torno dele. Como no planeta há apenas 25
exemplares desse modelo, seu preço deve ser ‘um pouquinho maior’ do que os ‘oitocentos
mil reais’ anunciados.
Se eu pudesse, escreveria sobre
esse relógio mecânico, cuja corda dá autonomia e precisão por nove dias. Nele
tem ouro, safira até couro de jacaré, e sua marca eu nem consigo pronunciar. No
entanto, vou falar de minha experiência e frustração com outro relógio.
Na infância, e já entrando na
adolescência, meu maior sonho era ter um relógio de pulso. Poderia ser um bem
vagabundo, contanto que marcasse as horas eu já estaria satisfeito. Naquela
época, a marca mais famosa para nós, simples campesinos, era a Mondaine. Como jamais
eu poderia comprar um Mondaine, resolvi procurar outro, desde que coubesse no
meu pobre orçamento. E a coisa se deu da seguinte forma.
Estava eu na casa de uma senhora
muito querida que morava com um homem bastante malandro nos negócios. Por
razões óbvias, vou omitir o nome daquela senhora, que por acaso era minha avó (oh,
não falei o nome!). Do nada, aquele senhor resolveu me mostrar sua coleção de
relógios de pulso. Ele tinha vários modelos, de todos os tamanhos e para todos
os gostos. Peguei um, pus no pulso, peguei outro e experimentei também, e
aquilo foi me deixando fascinado. Por fim, e sem saber com qual eu ficaria, vi
um de pulseira metálica e mostrador reluzente e perguntei o preço. “Qualquer um
eu faço por ‘cem’, pode escolher”. Agora não me pergunte ‘cem o quê...’, porque
não lembro qual era a moeda naquele tempo. Sei que eu teria de vender um saco
de feijão, que eu não tinha, para poder pagar o relógio, que eu queria ter.
O homem me confiou o relógio e
voltei para casa com ele no pulso. Eu estava feliz, mas muito preocupado em
como conseguir o saco de feijão para pagar aquela dívida. Mas a minha
preocupação aumentou: o relógio não funcionava e eu teria que levá-lo ao
relojoeiro para, nas palavras do negociante, “uma pequena limpeza”. Foi o que
fiz logo em seguida. Mas o homem que consertava relógio, um soldado da polícia
militar, não me deu o orçamento na hora e pediu para eu voltar na semana
seguinte. Ansioso para pagar o relógio, corri atrás do feijão de que eu precisava.
Nem lembro como fiz, mas deu certo. Acho que meus irmãos mais novos me ajudaram
na empreitada, catando uma espécie de xepa nos roçados da vizinhança.
Conseguido o feijão, paguei o
relógio e agora teria de arrumar dinheiro para pagar o conserto, que não deveria
ser barato. Na oficina, assim que o relojoeiro me viu, ele abriu uma gaveta,
pegou o relógio e me entregou. Recebi o
relógio tomado de contentamento, mas temeroso do valor que teria de pagar.
Perguntei o preço do conserto e o homem respondeu: “Nada!” Estupefato, falei:
“Uai, o senhor não vai me cobrar nada?!” O homem foi direto: “Esse relógio é da
marca Megalo, e isso não tem conserto. Pode jogar fora”. “!?”
Em casa, fui aconselhado a devolver
o relógio e pegar meu dinheiro de volta, mas eu pensava que o risco fazia parte
do negócio e fiquei no prejuízo. Hoje, por razões pouco louváveis e nada
republicanas, há gente sendo obrigada a devolver um relógio: aquele que ilustra
essa crônica.
FILIPE
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