Eu vinha de uma longa viagem, que me tomou uma noite inteira e um
pedaço do dia. Quando cheguei na minha
cidade, entrei num supermercado a fim de procurar algo que me aplacasse a fome
e fui direto à padaria. Dentre as inúmeras tentações, decidi comprar pães
franceses (ou pão de sal, conforme se dizia antigamente na minha terra). Aquela
não seria a minha refeição, mas tomado de fúria famélica, devorei apressadamente
dois pãezinhos como se fossem a melhor das iguarias.
O ‘pão de sal’ é iguaria, sim, pelo
menos para mim. E sei que ele foi também o petisco preferido de meu pai. Muitas
vezes, eu me lembro, papai, ao passar por uma padaria, consultava o bolso e,
confirmado o ‘saldo’, entrava e comprava uma sacola de ‘pães de sal’. De imediato,
pegava deles e repartia com quem o acompanhasse. Depois pegava outro e o comia sofregamente
enquanto caminhava pela estrada poeirenta, no caminho de casa.
Enquanto eu comia o pão naquele começo
de tarde, eu lembrava de meu pai, mas não só. Eu lembrei também de um sujeito
que encontrei numa das rodoviárias pelas quais passei. Maltrapilho, um homem
chegou até mim, dizendo: “Aqui, eu não estou pedindo dinheiro. Dinheiro, não quero
de jeito nenhum. Eu só quero um pedacinho de pão, porque não almocei nem jantei
e estou com muita fome!”
Olhei bem para aquele senhor e o
reconheci de outra passagem. Então eu lhe disse: “Já virou freguês, né? Outro
dia você me procurou...” Ele sorriu desconcertado e quase me pediu desculpas, mas
foi bastante eficiente no serviço: “Pois é... Eu peço porque estou muito
precisado.” Então eu disse que lhe daria uma coxinha e pedi que me acompanhasse
até a lanchonete, o que ele recusou veementemente. Disse que a dona da
lanchonete não gosta dele, não se sabe por quê, e que nunca ia pôr os pés lá.
Insisti, dizendo que ele fosse comigo e nada lhe aconteceria, porque neste país
ainda há leis. Mas o homem ‘bateu o pé’ e não quis me acompanhar.
Quando eu já estava a certa
distância, rumo à lanchonete, ele me alcançou apressado para dizer: “Aqui, traz
a coxinha, mas uma coca também. Uma coquinha só...” Eu comecei a me irritar. “Você
quer Coca-Cola?! Se tem fome, come o lanche. Eu não compro refrigerante pra mim...”
“Ah, compra, sim”, ele insistiu e continuou: “É que hoje é meu aniversário e eu
queria beber uma coquinha!...” “Seu aniversário? Que legal! Então me diga uma coisa:
que dia é hoje?” Ele olhou pra baixo, pro lado e pra cima e quase abriu a boca
pra falar algum número, mas desistiu. Então eu percebi a malandragem e o deixei
parado ali. Trouxe a coxinha pra ele, mas sem refri. Ele pegou o salgado, me agradeceu e se foi.
A dona da lanchonete me advertiu
na outra vez e nesta também: “Não dê nada pra esse homem, porque ele vai vender
e comprar porcaria. Então dê a coxinha e mande ele morder na sua frente pra ninguém
comprar dele.” “Mas quem vai comprar um lanche de um mendigo?”, perguntei. Ela
disse que muita gente compra. Respondi que se alguém compra a comida de um
pedinte, essa pessoa está em pior situação. Então a mulher pegou os sete reais
e não disse mais palavra.
Foi preciso escrever tudo isso só
pra dizer que, quando se tem fome, um pão francês é o 'menu dos deuses'.
FILIPE
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