No começo desta semana, um
militar teve de comparecer à CPI que investiga atos antidemocráticos. Até aí,
normal, porque outros militares já deram depoimentos a diversas CPIs sem que
algo de assombroso acontecesse.
Mas este depoimento chamou a atenção por um motivo inusitado, quase pitoresco. Um tenente-coronel do
Exército compareceu à comissão inquiridora imponentemente fardado, com o
peito estufado repleto de medalhas, insígnias e outras quinquilharias – não se
sabe, mas talvez com intenções intimidativas. Chegando, tomou assento à mesa,
impostou a voz e começou a ler numa folha de papel os seus “grandes feitos”
pela pátria e por todos nós. Depois,
alegando direito ao silêncio conseguido via habeas corpus junto ao STF,
permaneceu calado. Durantes aquelas muitas horas em que ficou sentado no
“banquinho da disciplina”, ninguém conseguiu arrancar do sujeito, antes tão
falastrão, ao menos uma interjeição. Uma situação no mínimo vexatória para ele
e seus pares, gente que esbanja altivez e valentia perante os subordinados.
Não trago na alma ressentimentos aos fardados. Servi na ‘força terrestre’ durante dois anos e, embora ainda
vivêssemos sob a tirania da malfadada ditadura militar, tenho boas lembranças
da caserna. Recordo-me de que muitos de meus superiores nos tratavam com
respeito e, não querendo forçar muito, eu diria que recebíamos um tratamento até
carinhoso de alguns sargentos e oficiais. Prova disso é que o major, comandante
da unidade, quando visitava os departamentos, cumprimentava cada soldado,
chamando-o pelo nome. Esse tratamento eu já não tive em certas empresas cujos
chefes eram, obviamente, civis. Alguns destes eram arrogantes, prepotentes e,
na falta de melhor qualificativo, canalhas. Um gerente de uma grande loja onde
trabalhei jamais falava com funcionários rasos e sequer lhes dava um bom-dia.
Ele dizia às suas auxiliares, que eram as chefes de departamento, não suportar
repositores. Eu era repositor.
Sobre os militares, há uma
discussão quanto à necessidade ou não de uma força armada para garantir o ‘estado
de direito’. Não tenho dúvidas sobre a necessidade de ao menos uma ‘guarda
nacional’ armada e bem treinada para cuidar de nossas fronteiras e garantir a
paz social. Todavia, essa instituição jamais poderia extrapolar suas funções,
avançando sobre assuntos estranhos às suas atribuições constitucionais. Da
mesma forma que um civil não pode entrar num quartel para comandar soldados, um
militar não tem por que se meter em repartições públicas civis. A famigerada escola cívico-militar é uma
dessas gangrenas autoritárias que faz lembrar o histriônico Plínio Salgado com
suas “galinhas verdes” (caso o raro leitor desconheça o assunto, sugiro
pesquisar ‘integralismo’ no Google).
Voltando ao o episódio da semana,
este foi para mim uma celebração. Ver um alto oficial das forças armadas que, suspeito
de atentar contra a democracia, é repreendido por civis e obrigado a engolir
calado sua bílis – tão verde quanto sua farda – torna-se um marco civilizatório
para nós e um brinde às futuras gerações.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário