sábado, 15 de julho de 2023

VEXAME VERDE-OLIVA

 


No começo desta semana, um militar teve de comparecer à CPI que investiga atos antidemocráticos. Até aí, normal, porque outros militares já deram depoimentos a diversas CPIs sem que algo de assombroso acontecesse.

Mas este depoimento chamou a atenção por um motivo inusitado, quase pitoresco. Um tenente-coronel do Exército compareceu à comissão inquiridora imponentemente fardado, com o peito estufado repleto de medalhas, insígnias e outras quinquilharias – não se sabe, mas talvez com intenções intimidativas. Chegando, tomou assento à mesa, impostou a voz e começou a ler numa folha de papel os seus “grandes feitos” pela pátria e por todos nós.  Depois, alegando direito ao silêncio conseguido via habeas corpus junto ao STF, permaneceu calado. Durantes aquelas muitas horas em que ficou sentado no “banquinho da disciplina”, ninguém conseguiu arrancar do sujeito, antes tão falastrão, ao menos uma interjeição. Uma situação no mínimo vexatória para ele e seus pares, gente que esbanja altivez e valentia perante os subordinados.

Não trago na alma ressentimentos aos fardados. Servi na ‘força terrestre’ durante dois anos e, embora ainda vivêssemos sob a tirania da malfadada ditadura militar, tenho boas lembranças da caserna. Recordo-me de que muitos de meus superiores nos tratavam com respeito e, não querendo forçar muito, eu diria que recebíamos um tratamento até carinhoso de alguns sargentos e oficiais. Prova disso é que o major, comandante da unidade, quando visitava os departamentos, cumprimentava cada soldado, chamando-o pelo nome. Esse tratamento eu já não tive em certas empresas cujos chefes eram, obviamente, civis. Alguns destes eram arrogantes, prepotentes e, na falta de melhor qualificativo, canalhas. Um gerente de uma grande loja onde trabalhei jamais falava com funcionários rasos e sequer lhes dava um bom-dia. Ele dizia às suas auxiliares, que eram as chefes de departamento, não suportar repositores. Eu era repositor.

Sobre os militares, há uma discussão quanto à necessidade ou não de uma força armada para garantir o ‘estado de direito’. Não tenho dúvidas sobre a necessidade de ao menos uma ‘guarda nacional’ armada e bem treinada para cuidar de nossas fronteiras e garantir a paz social. Todavia, essa instituição jamais poderia extrapolar suas funções, avançando sobre assuntos estranhos às suas atribuições constitucionais. Da mesma forma que um civil não pode entrar num quartel para comandar soldados, um militar não tem por que se meter em repartições públicas civis.  A famigerada escola cívico-militar é uma dessas gangrenas autoritárias que faz lembrar o histriônico Plínio Salgado com suas “galinhas verdes” (caso o raro leitor desconheça o assunto, sugiro pesquisar ‘integralismo’ no Google).

Voltando ao o episódio da semana, este foi para mim uma celebração. Ver um alto oficial das forças armadas que, suspeito de atentar contra a democracia, é repreendido por civis e obrigado a engolir calado sua bílis – tão verde quanto sua farda – torna-se um marco civilizatório para nós e um brinde às futuras gerações.

FILIPE

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