Não me canso de contemplar essa
foto que traz as entranhas de uma árvore cujas raízes, humilhantemente expostas
de ponta-cabeça, evocam um ‘cadáver insepulto’.
Fico imaginando quem foi a dona
desse “corpo” e o que pressentiu quando dela se aproximou a motosserra. Claro
que a desventurada árvore gostaria de sair em disparada “pelos vales e
campinas” até que a tenham perdido de vista. Mas a natureza não lhe permite
movimentos e ela teve de encarar a morte ali mesmo, heroicamente estática.
Que mal teria feito aquela
árvore? Ela só faz o bem. Diariamente, quando adulta, uma única árvore pode
transferir para a atmosfera mais de cem litros de água, que formam as nuvens. As
matas são responsáveis pelo controle da temperatura e pelo ciclo das chuvas;
sem elas, nosso planeta seria um deserto inóspito.
Tento fazer a minha parte. A nossa
casa é literalmente abraçada por árvores, com mangueira, abacateiro e até amoreira
acariciando o telhado. Se as calhas entopem ou se uma telha desliza, subo lá e
tento consertar; se eu não conseguir, o Cido, que é mais corajoso (ou sem
juízo...), resolve pra mim.
Um galho da mangueira já virou
dormitório de um barulhento bem-te-vi, que sempre me dá bom-dia ao alvorecer.
Tenho observado que esse “menino” traz para seus aposentos um pequeno lanche, que
é uma frutinha verde e redonda. Ele a rói toda ou em parte, desprezando o
caroço. No chão, bem embaixo da cama dele, fica sujeira. Por capricho ou preguiça
de procurar um banheiro, o bem-te-vi suja pra eu limpar. Contudo, ainda fico
orgulhoso desse amigo madrugador e porcalhão que me chama para contemplar o
amanhecer.
Um pouco acima do bem-te-vi, numa
parte mais alta do beiral, está uma grande caixa de marimbondos. Faz mais de
ano que eles se mudaram para aquele lugar e de lá não sairão. Jamais vou
incomodá-los, até porque são pacíficos e a prudência me aconselha a não provocá-los
também, é claro.
No quintal as coisas estão um
pouco complicadas. Pus no pé de manga-espada uma pequena caixa de madeira para os
passarinhos. Mas o passarinho deu bobeira e quem a aproveitou foram as abelhas.
A colmeia começou pequena, dentro da caixa, e depois cresceu e já tiveram de
fazer um puxadinho para abrigar todo o clã. Mas preciso me entender melhor com
essas aí, porque elas não são da paz. Anteontem, recebi uma bela fisgada na
nuca, que não me foi nada agradável. Mas as abelhas podem ficar tranquilas,
porque não as molestarei. Todavia, um
acordo teremos que fazer – talvez uma demarcação de território para que
possamos viver em harmonia. Enquanto isso, vamos conversando.
Já com as pombinhas silvestres
não teve acordo. Durante muito tempo, deixei que elas chocassem na minha
varanda. Tudo ia muito bem, lindo e maravilhoso até que... uma multidão de
piolhos invadiu minha casa! Foi uma coceira de tirar o sono, literalmente. Não
destruí o ninho delas, mas terminada a última ninhada, não “renovei contrato” e
fui além: obstruí o acesso às vigas sobre as quais nidificavam. Ainda ontem uma
delas esteve me fazendo uma visitinha, como quem não quer nada, mas quer tudo. Fingi
que a prosa não era comigo e ela se foi.
Não moro na floresta, mas bem
que eu gostaria. Tenho minhas árvores e as prezo com prazer. No entanto, na
redondeza há cada vez menos árvores. Se eu pudesse, deportaria para o deserto
todos os predadores do meio ambiente, que seriam condenados a se abrigar sob
rochas, caminhar sobre areia quente e conviver com animais peçonhentos, bem
típicos daquelas regiões áridas. Isso porque o paraíso não é para todos, mas apenas
para quem o preserva.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário