O apartamento,
como sempre, estava limpo e perfumado. Sobre a mesa, uma gamela de madeira com
varias frutas: maçãs, pêssegos, bananas. No espaldar da cadeira, uma toalha de
banho; um pouco além, próximo à cama, um par de chinelos. Um caderno aberto
exibia uma caneta e um pequeno bilhete. “Amigo, fique à vontade. Este espaço é
seu. A erva-mate está na geladeira. Amanhã, após a missa, darei uma passada por
aqui.” Assinou.
Abri as
cortinas e divisei no horizonte uma última estrela que ainda brilhava naquela
madrugadinha de julho. Fazia frio e na calçada oposta da avenida estava um
amontoado de cobertores, sob os quais haveria uma ou duas pessoas. Um pequeno
cão ficava de guarda enquanto seu protegido dormia o sono dos desabrigados, ou
dos embriagados, quem sabe.
Uma estante
repleta de obras machadianas e de outros clássicos estava ali: dadivosa
oferenda ao visitante. Mas os pés dentro das botinas, doloridos, talvez
inchados devido à longa viagem, imploravam por repouso.
A água morna
deslizava sobre minha pele despindo-me de toda a fadiga. Após o banho, um
moletom macio substituía a dura farda de viagem e eu me sentia renovado. Abri
um livro, que eu havia comprado na rodoviária enquanto aguardava o ônibus, e
comecei a lê-lo. O tema estava da moda: o papa Francisco – sua história e as
perspectivas sobre seu pontificado.
O dia acabara
de chegar, mas o sol estava atrasado em sua viagem devido às rotineiras
complicações com as nuvens, conquanto não houvesse prenúncio de chuva. Sendo o
frio cada vez mais intenso naquela manhã, resolvi preparar um chimarrão. Fui ao
armário da cozinha e procurei pela cuia do amigo. Não estava lá; estava na
minha frente, sobre a geladeira – um moderno frigobar recém-adquirido – dentro
do qual havia a erva-mate. Aqueci a água e preparei aquele que seria o mais
maravilhoso de todos os chimarrões. Sempre o mate do momento é superior aos
anteriores. Não se sabe por que, mas isso deve dar uma boa tese acadêmica. Há
que se pesquisar...
Aquele dia foi
reservado à leitura e descanso. Dormi bastante, a ponto de me despertar na
madrugada seguinte. Era sábado e o amigo viria logo cedo.
De manhã,
chega o amigo. Tímido, devagar, tão discreto que deixava a impressão de ser ele
a visita, e eu seu anfitrião. Quase tive vontade de lhe dizer: “Amigo, fique à
vontade, pois a casa é sua!”
O reencontro
com o velho companheiro fez a fortuna do dia e da viagem. A conversa sempre
prazerosa; e as palavras de tal leveza, que pareciam planar. Como a fumaça de
seu cigarro de palha. As novidades, o conselho, a orientação e, sobretudo, a
interrogação. Somente quem sabe é capaz de deixar uma interrogação no final. Os
sábios são assim. Interrogativos.
FILIPE
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