sexta-feira, 23 de agosto de 2013

UMA VISITA



O apartamento, como sempre, estava limpo e perfumado. Sobre a mesa, uma gamela de madeira com varias frutas: maçãs, pêssegos, bananas. No espaldar da cadeira, uma toalha de banho; um pouco além, próximo à cama, um par de chinelos. Um caderno aberto exibia uma caneta e um pequeno bilhete. “Amigo, fique à vontade. Este espaço é seu. A erva-mate está na geladeira. Amanhã, após a missa, darei uma passada por aqui.” Assinou.

Abri as cortinas e divisei no horizonte uma última estrela que ainda brilhava naquela madrugadinha de julho. Fazia frio e na calçada oposta da avenida estava um amontoado de cobertores, sob os quais haveria uma ou duas pessoas. Um pequeno cão ficava de guarda enquanto seu protegido dormia o sono dos desabrigados, ou dos embriagados, quem sabe.

Uma estante repleta de obras machadianas e de outros clássicos estava ali: dadivosa oferenda ao visitante. Mas os pés dentro das botinas, doloridos, talvez inchados devido à longa viagem, imploravam por repouso.

A água morna deslizava sobre minha pele despindo-me de toda a fadiga. Após o banho, um moletom macio substituía a dura farda de viagem e eu me sentia renovado. Abri um livro, que eu havia comprado na rodoviária enquanto aguardava o ônibus, e comecei a lê-lo. O tema estava da moda: o papa Francisco – sua história e as perspectivas sobre seu pontificado.

O dia acabara de chegar, mas o sol estava atrasado em sua viagem devido às rotineiras complicações com as nuvens, conquanto não houvesse prenúncio de chuva. Sendo o frio cada vez mais intenso naquela manhã, resolvi preparar um chimarrão. Fui ao armário da cozinha e procurei pela cuia do amigo. Não estava lá; estava na minha frente, sobre a geladeira – um moderno frigobar recém-adquirido – dentro do qual havia a erva-mate. Aqueci a água e preparei aquele que seria o mais maravilhoso de todos os chimarrões. Sempre o mate do momento é superior aos anteriores. Não se sabe por que, mas isso deve dar uma boa tese acadêmica. Há que se pesquisar...

Aquele dia foi reservado à leitura e descanso. Dormi bastante, a ponto de me despertar na madrugada seguinte. Era sábado e o amigo viria logo cedo.

De manhã, chega o amigo. Tímido, devagar, tão discreto que deixava a impressão de ser ele a visita, e eu seu anfitrião. Quase tive vontade de lhe dizer: “Amigo, fique à vontade, pois a casa é sua!”

O reencontro com o velho companheiro fez a fortuna do dia e da viagem. A conversa sempre prazerosa; e as palavras de tal leveza, que pareciam planar. Como a fumaça de seu cigarro de palha. As novidades, o conselho, a orientação e, sobretudo, a interrogação. Somente quem sabe é capaz de deixar uma interrogação no final. Os sábios são assim. Interrogativos.

FILIPE

Nenhum comentário:

Postar um comentário