O telefone
tocou e vi que era ele. Estava indignado, muito bravo. Falava comigo com a
mesma fúria que usaria contra um desafeto. A conversa começou mais ou menos
assim: “Ô cara, vê se pode uma coisa dessas... Aquela gente da Globo tá
dominando a visita do papa, e isso não pode acontecer não, uai! Você não viu?
Até a Ana Maria Braga tá lá, vestida de santinha, pra receber o papa! E não é
só ela não. O pessoal da novela tá tudo lá também. Cruz credo! E é gente de
vida errada. Muita gente ali já casou, descasou, tem filho com todo mundo, mas
tá lá que nem anjinho!”
O menino
falava sem parar, como se eu fosse o culpado de tudo aquilo. Logo eu, que nem estava vendo TV por aqueles
dias... Então tentei redarguir: “Mas... é só não ver TV! Eu não vejo novela,
não ligo na Globo...” Mas o moleque não me deixava falar. Só ele falava e eu
teria de ouvi-lo naquele momento de angústia por que passava. Queria e exigia
uma solução para a crise que lhe tirava o sossego. Uma palavra de consolo, um
xingamento, qualquer coisa, mas só ele falava. Por fim, acedendo, pude lhe
dizer algo, de que nenhum proveito tirou. Como já estou acostumado a ser
procurado em momentos assim para dar opiniões, que nunca são aproveitadas,
pouco me esforcei para acertar desta vez.
O caçula tem
razão. Esse moleque estudou pouco, mas aprendeu muito. Sua argúcia supera em
muito a minha, por isso devo ouvi-lo mais. Soube por ele que a Globo
monopolizara a cena da visita pontifical. A Globo fez isso não por devoção, mas
por picuinha com sua congênere Record, igualmente diabólica. Acrescento que não há exclusividade nessa
prática nada angelical. Outras emissoras, tidas e mantidas como católicas,
aproveitaram o momento para vender medalhas com a figura do papa e uma cruz
contendo terra e água lá da “Terra de Jesus”. Acessei no site para ver o preço:
649 reais!
Impaciente,
pouco vi tevê nos dias em que ocorria a JMJ. O noticiário era enfadonho,
repetitivo. Incréus opinavam sobre fé e católicos vendiam quinquilharias como
as tais medalhas, além de livros de cura, CDs, imagem que reza, remédios, creme
São Luiz, óleo de chia, cruz da felicidade, viagem à Terra Santa, ômega 3,
cogumelo do sol..., e muito mais. O antigo armazém televisivo tornou-se mais
fornido agora com a presença papal.
Certa vez telefonei
para saber o preço de um produto anunciado na Rede Vida, e a atendente já foi
logo me pedindo cartão de crédito. Disse-lhe que sou idoso e sem rendas, ainda
assim ela insistiu. Queria que eu comprasse tal produto “baratinho, uma
pechincha..., apenas 189 reais!” “Mas eu não tenho esse dinheiro, moça. É muito
caro pra mim!” “Vê se arruma emprestado...” “Vocês estão explorando o povo em
nome de Deus. Isso é pecado!” “Não estamos explorando. Estamos vendendo até
barato. As outras tevês cobram muito mais caro!” “Isso não é correto. Os
pobres, velhos e doentes, que ligam a tevê para rezar o Terço e assistir à
missa, estão sendo afrontados com essas propagandas. E eles querem comprar,
pois sofrem de enfermidades que vocês prometem curar. Mas como vão comprar, se
é tão caro? Além do mais, isso é charlatanismo, pois somente um médico pode
receitar.” “Mas não é remédio, é complemento alimentar. Ah, deixa pra depois.
Quando o senhor estiver mais calmo!...” “Mas eu não estou nervoso. Eu estou
é...” A moça desligou o telefone.
FILIPE
Nenhum comentário:
Postar um comentário