Os primeiros utensílios
artesanais que conheci foram o pilão e o balaio. O primeiro é um tronco bruto de
madeira, que tem uma cavidade onde se põem grãos para serem triturados por
uma espécie de clava denominada mão-de-pilão. Meu pai sabia fazer os dois, mas
nunca o vi fabricar pilões. Nem mesmo o nosso, de peroba, que por anos nos serviu,
e que durante seu “repouso” era virado, transformando-se num confortável banquinho.
Mas balaios, um tipo de cesta sem alça, vi meu pai fazer muitos. Eu mesmo o
ajudava, cortando bambus, que não poderiam ser muito maduros, por resistirem à
moldagem e nem muito verdes, por não terem durabilidade. Papai abria os bambus
em longas tiras, descarnava-as e as entrelaçava. Em ângulo reto sobre o fundo
assoalhado, dobrava os “mourões” pelos quais tecia a trama de suas paredes.
O Tatão Tibúrcio também fazia os
dele, grandes e arredondados, parecendo não ter a mesma perícia de papai. Mas o
Tatão utilizava taboca, uma espécie de bambu cheio de espinhos recurvos e lacerantes.
Seu trabalho era mais penoso, pois teria que retirar todos os espinhos para poder
construir suas cestas e balaios.
Havia uns homens da montanha, de uma
região denominada Careço, e deles se diziam ser gente muito braba, mas sua fama
maior era mesmo de artesãos. Seus balaios eram mais bem trabalhados, com desenhos
nas laterais, um primor. Não usavam o nosso bambu nem taboca, mas taquara, que
é outra espécie de bambu – mais delicado e “obediente”. Papai, de vez em quando,
comprava um balaio de taquara daqueles montanheses.
Eu também me arrisquei no ofício.
Por mais de uma vez cortei bambu e tentei fazer balaio, conforme via meu pai
fazendo. Mas na hora de dobrar os “mourões”... Enquanto eu segurava uma ponta,
a outra soltava; recuperando aquela, esta é que soltava. De repente, uma farpa
adentrava minha carne, salpicando tudo de vermelho. O fim. Num ímpeto, eu chutava
aquela geringonça e praguejava prometendo nunca, mas nunca mais fazer balaios.
Passados alguns dias... “Acho que vou conseguir desta vez, pois todo mundo faz”.
Então um bambu é cortado, rasgado em tiras, descarnado. Uma ripa é dobrada,
redobrada, desdobrada e... “Praga de
bambu, praga de balaio, cortei o dedo, nunca mais mexo com essa birosca!”
Mas eu não queria falar de
artesanato, nem do artesão que nunca fui, embora tentasse. Numa conversa
recente com um irmão, lembrei-me das roças de nossa infância e dos balaios de
milho que enchíamos durante a colheita. Eram pesados, mas eu me esforçava,
enchendo-o até à boca. Num galeio, punha o balaio no ombro, mas algumas espigas
mais salientes costumavam escapar e caíam. Eu abaixava até a espiga fujona para
devolvê-la ao balaio já no ombro e, desequilibrando-me, caía com o balaio e
esparramava a carga. Eu, pequeno e fraco – talvez ainda continue assim – trabalhava
para além de minhas forças.
Hoje, meu balaio não é de bambu,
mas costuma ferir-me os ombros. Todo domingo vou até a igreja para pegar com
meu Senhor um “balaio” vazio para, durante a semana, enchê-lo com as espigas
que encontrar. No final da semana, levo de volta o balaio à igreja e apresento
ao meu Senhor os frutos de minha jornada. Às vezes tenho vergonha, pois o
balaio está um pouco vazio, com espigas ruins ou com impurezas. Então, peço perdão
ao meu Senhor e prometo uma colheita melhor na próxima semana. Quem sabe, um
dia acerto?...
O irmãozinho, a quem dedico esta crônica
tendo o balaio como metáfora, também entrega o seu, que é sempre transbordante e
com as melhores espigas. Preciso aprender com ele.
FILIPE
Sempre devemos encher os nossos balaios. A vida nos obrigará sempre a isso. Devemos nos preocupar quando a nossa consciência não mais nos incitar a isso. Que Jesus sempre ajude a encher o nosso balaio, balaio esse que muitas das vezes não somos capazes de preenchê-lo.
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