sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

NO PRONTO-SOCORRO

Recentemente, acompanhei meu pai a um pronto-socorro. Era sábado e ele estava aflito naquele dia devido a um inchaço nas pernas. Chegamos à noite no hospital e uma grande fila nos aguardava. Enfim, após longa espera, fomos “despachados”.

O médico que nos atenderia não goza de boa fama. Enriquecera às custas dos estropiados e desvalidos que buscam socorro em altas horas. O hospital, fundado por religiosos franciscanos, tornou-se feudo desse senhor, que nele se instalou malandramente. Tal como uma aranha no centro da teia, aquele médico fica diuturnamente à espreita dos pacientes, engordando ainda mais o seu já rotundo patrimônio.  

O tempo no consultório foi exíguo, pois ‘cinco minutos’ é o máximo de que esse médico dispõe a quem o procura sem paga. Aliás, ali ninguém é atendido, mas ‘despachado’ por um cara que sempre prioriza as consultas particulares; os usuários do SUS ‘podem esperar’...

Papai e eu entramos, sentamo-nos e esperamos por alguns minutos o médico, que consultava o computador. Ao lado, uma estante com um único livro. Tinha na capa nome e foto daquele pastor “mala”, mas o título fiz questão de esquecer; na parede, ao fundo, um pôster gigante de um candidato a presidente com dizeres exaltando hombridade, integridade, virilidade e outros atributos do dito-cujo. Peço desculpas por me recusar a citar o nome da ‘besta-fera’. Mas fica a dica: boca-suja, defensor de torturadores, apologista do estupro etc.

O médico, que até então se entretinha com seu notebook, perguntou: ”O que foi que lhe aconteceu, seu José?” Meu pai mostrou-lhe a perna inchada e começou a descrever o desconforto que sentia. E sem se erguer da cadeira, atalhou meu velho, sentenciando: “Isso é pra ‘médico de veia’, seu José!” “Sim, nós sabemos. Já marcamos a consulta, mas o angiologista está em férias”, acudi. “Vou receitar um diurético. Até mais!” Saímos.

Médico deve clinicar com as mãos. Apenas as mãos podem afagar, abençoar... e curar. Um médico que não toca o paciente não exerce o nobre ‘ofício de Hipócrates’. Papai não foi recebido por um médico, mas por um impostor. Mais proveito teria, caso procurasse um benzedeiro.

Eu também fui levado a um hospital. Uma semana após meu pai, tive lancinantes cólicas estomacais e me arrastei até um pronto-socorro.  Antes de ser medicado, especialistas de todos os matizes – e os há numerosos em toda família – deram diagnósticos. Alguns por telefone, sem ao menos ver ou ouvir o enfermo. Veio de tudo: “pedra na vesícula”, “espinhela caída”, ‘quebranto”, “perfuração das tripas por ameba”, “flatulência”. O serviço era completo: para cada possível doença, uma terapêutica específica. Agradeci aos “especialistas” e fui ao médico.

Enquanto aguardava o atendimento, vomitando bicas numa sacolinha plástica, eu era um homem caído, desolado, vencido pela dor. Ainda assim, fui orientado a esconder o saquinho, porque ‘causaria mal-estar’ nos presentes. “Estou morrendo e tenho que me preocupar com o fastio alheio?...”, rosnei. Lá no fundo da “plateia”, um jovem colega de infortúnio quis conversar. Era um ex-aluno dizendo ter saudade de minhas “aulas de química”. Na hora, quase me curei da dor para lhe dizer que ‘nunca dei aulas de química’!

Felizmente tudo se resolveu. Papai passou pelo angiologista, que lhe deu atendimento digno. E eu me curei do que os antigos chamavam “prisão de vento”, e que se remediava com uma caneca de “barrela de cinza”. Só não ficaram resolvidos certos arroubos fascistas em hospitais.


FILIPE 

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