“Somos descendentes de débeis
mentais e essa é a minha preocupação. Por isso, peço a vocês para não ficarem
falando de uma coisa só.”
Esse é o papai dando bronca em alguns de seus filhos num grupo de
WhatsApp. Não sei o que houve, mas conheço bem o meu velho e já estou lhe dando
a merecida razão. As estatísticas dizem que cerca de dez por cento da
humanidade possui algum transtorno mental e, como lá em casa somos onze irmãos
e eu não consigo ver nenhum tantã, esse número e a genética parecem apontar um
dedo comprido para mim.
Então, seguindo o conselho de meu pai, eu estou mudando de ares,
porque em postagens recentes fui monotemático. Desta vez não falar de escola
nem dos pedagogos nem de política. Se bem que me dá uma coceira danada, porque
hoje foi maçante. Mas vou falar de uma coisa mais prazerosa, vou falar do meu
cãozinho Tokinho.
Todas os dias enquanto estudo, digito, elaboro atividades, gravo,
ouço música, leio... o Tokinho me acompanha silente em seu bercinho redondo.
Aqui neste cantinho, mais dele do que meu, ficamos horas e horas, cada um no
seu mundinho. O mundo dele deve ser mais agradável do que o meu, porque ele não
está preocupado com o coronavírus, nem com o Bozo e muito menos com aqueles 30
por cento do ‘capiroto’. O Tokinho apenas quer um pouco de ração, água e
atenção. Não, ele quer mais: quer dar umas voltas comigo por aí. Mas não está
dando para sair à rua e eu já falei com ele algumas vezes, expliquei que tem
uma pandemia nos perseguindo, que estamos em quarentena. Mas ele não entende ou
finge não entender. No entanto, aceita.
De madrugada, quando me levanto e vou ao quintal para fazer alguns
exercícios físicos, mentais e espirituais, o tokinho fica à espreita. Às vezes
ele não me percebe e passa um tempo emburrado. Mas quase sempre ele sai de sua
bacia e soca a porta para eu abrir. Ah, esqueci de falar: o Tokinho dorme
trancado; ele e seus companheiros Pituka e Tiziu. Não posso deixá-los soltos à
noite, porque a consciência ecológica deles é zero. Explico.
Eu costumo receber umas visitas insólitas. Outro dia houve um
rufar ao longe, que foi se aproximando, aproximando, até que uma família de
jacus parou a poucos metros de minha janela. As mandíbulas do Tokinho
poderiam alcançá-los caso ele estivesse lá fora. Já ontem vieram me ver dois
saguis, parecendo ser mãe e filho. E tenho por perto também joões-de-barro,
bem-te-vis, sabiás, rolinhas grandes, médias e pequenas e outros pássaros que
não sei nomear. Enfim, há uma infinidade de seres, alados ou não, que passam ou
vivem aqui e eu tenho que lhes garantir segurança, paz e a vida.
Aí, meu pai, a bronca não foi para mim, mas achei por bem
assimilá-la. Está certo que esta crônica é meio fraquinha, mas ela não vai
deixar insone o leitor que chegou até aqui.
FILIPE
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