Eu estava preparando um almoço no
fogão a lenha, queimando uns restos de madeira usada na obra, e pensava estar ecologicamente
correto. Mandei uma foto para o grupo de WhatsApp da família e recebi uma
admoestação: “Queimando madeira boa... Com essas tábuas daria para fazer um pinteirinho ou outra coisa qualquer”. Aquela
frase me deu uma baita fisgada na espinha, mas tentei consertar: “São sobras da
obra e essas madeiras são pínus, que
iriam apodrecer”. A minha resposta não convenceu nem a mim nem a ele, eu acho,
embora o bom mano tenha se recolhido da observação.
Depois disso, quando ia pegar ‘lenha’,
comecei a separar umas tábuas. Olhava uma, olhava outra, antes de decidir qual
delas seria “condenada às chamas” do meu fogão. E assim, umas foram escapando e
ficando empilhadas à parte. E, precisado que eu estava de uma mesinha para pôr
na varanda, decidi improvisar. Peguei aquelas tabuinhas, arranquei os pregos,
limpei-as dos restos de concreto e comecei meu labor de carpinteiro amador.
Serrote, martelo, um pedaço de piso cerâmico como esquadro e uma furadeira
resolveram todos os meus problemas.
Enquanto eu riscava, cortava,
pregava e ia montando a mesinha, pensava no meu velho pai que a vida toda sonhou
ter uma ‘caixa de ferramentas’. Papai trabalhava como carpinteiro, fazendo
engradamento de telhado em toda a redondeza, mas as suas ferramentas eram
precárias – hoje eu sei disso. Ele tinha
um serrote do cabo vermelho, que eu usava furtivamente para cortar tudo que
encontrava pela frente. Todas as vezes que papai não encontrava uma ferramenta,
ou a achava avariada pelo mau uso de um curioso, ficava muito bravo e com razão.
Papai tinha um caixote onde
guardava, além do serrote, formões, enxó, martelo, torquês, plaina, colher de
pedreiro, prumo e um arco de pua. Mas esse arco de pua era uma coisa muito
interessante, que só papai conseguia usar. Gostava de observá-lo pôr a verruma no
arco e apoiar no peito uma rodela que girava. Depois, com movimentos circulares,
a verruma penetrava a madeira extraindo tiras espiraladas e fazendo um furo.
Menino ainda, eu não conseguia a proeza de usar o arco de pua, embora tentasse.
Enquanto eu fazia a minha mesa, ia
pensando sobre as dificuldades de meu pai. Ele sempre trazia consigo algum
ferimento pelo uso das ferramentas. Como seu rombudo martelo que, teimoso, quase sempre esquivava do prego e lhe
acertava o dedo. Houve algo mais sério também com meu pai, como um acidente com
o arco de pua. Papai trabalhava na casa de uma de suas irmãs e a verruma pegou seu
joelho, deixando-o paralisado por um tempo. Felizmente, horas depois, ele
recuperou o movimento da perna e conseguiu caminhar até a casa.
Feita a minha mesa, eis que no
dia seguinte recebo um vídeo de uma sobrinha com o meu pai trabalhando como
carpinteiro. Com um esquadro e lápis ele riscava em meia-esquadria uma
guarnição e depois serrava e pregava e conferia e via que tudo estava certo
conforme planejara.
Por alguns segundos e cheio de
júbilo, pude ver na tela de meu computador o velho carapina em ação!
FILIPE
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