Esse aí é o José Elias, também
conhecido por Zé Elias ou simplesmente Elias. No entanto, costumo chamá-lo de
Zé, mesmo – uma maneira mais simpática de nomeá-lo.
Então, esse amigo está fazendo
‘sessenta anos’ hoje, neste 16 de dezembro. Mentira. Não sei a idade do Zé e
esqueci o dia de seu aniversário. Sei que ele tem duas datas, mas não me lembro
de nenhuma para comemorar. Por via das dúvidas, decidi que o meu amigo faz
‘sessenta anos hoje’. Tem que ser sessenta, porque que ele é uns dois anos mais
novo do que eu.
Então, parabéns, Zé! Talvez você
nem saiba que hoje é seu aniversário e menos ainda que está virando
‘sessentão’.
Conheci o Zé Elias há mais de
quarenta anos, quando fazíamos o primeiro ano do antigo ‘segundo grau’ em Juiz
de fora. O ano era 1981. Na ocasião, eu estava no exército, como soldado-recruta,
e o meu amigo ainda era pouco mais do que um garoto. Naquela classe formamos um
pequeno grupo de estudos com meia dúzia de colegas, dos quais tenho contato com
apenas dois (de nome ‘Zé’). Os demais... nunca mais.
Há pessoas que se gabam de ter
dezenas, centenas de amigos. Roberto Carlos era mais ambicioso: queria ter “um
milhão de amigos”. No meu caso, a coisa é mais modesta. Os meus amigos podem
ser enumerados usando-se apenas uma das mãos; com algum esforço, posso usar a
outra mão, mas vai sobrar dedo.
O Zé Elias está nessa primeira
contagem e eu poderia apontar inúmeros cruzamentos dos nossos caminhos. No
entanto, vou me ater à descrição de apenas uma passagem, que já ilustra com
boas tintas a nossa amizade.
Naquele longínquo início dos anos
oitenta, o meu salário mal dava para pagar um quarto de pensão que eu dividia
com uma figura excêntrica, que se dizia poeta. A pensão, que ficava num prédio
antigo e descuidado no centro de Juiz de Fora, pertencia à dona Sebastiana. Ali
moravam essa senhora, sua filhinha e uma dezena de rapazes que exerciam
atividades das mais variadas: pedreiros, taxistas, camelôs, além do poeta e
deste escriba.
Certa vez, já era noite, a
campainha tocou. A dona Sebastiana atendeu e me chamou: “Tem um moço querendo
falar com você.” “Ô, dona Sebastiana,
esse é o Zé Elias, meu amigo. Entra, Zé. Vou jantar daqui a pouco. Você não
quer jantar comigo?” “Não obrigado. Eu só vim aqui um pouquinho e já estou de
saída”.
Arrastei meu amigo para a
cozinha, torcendo para que ele não aceitasse o convite para jantar, porque, pelas
regras, eu não podia oferecer comida dos hóspedes a amigos. Você, que me lê, sabe
disso, mas a polidez é uma senhora autoritária e costuma nos obrigar a certas
coisas, né?...
Na televisão anunciava-se, para
depois da novela, “Morte e Vida Severina”, que eu queria muito assistir. Então
pensei: O Zé vai embora, eu pego meu rango e depois assisto a esse musical. Mas
que nada... Quando o amigo viu a comida no fogão, mudou de semblante. “Aqui, eu
preciso muito trocar uma ideia com você. Vamos descer, depois você volta pra
sua janta!”
Desci com o amigo, mas ele parecia
não ter nada tão especial pra falar. Saímos do prédio, atravessamos a praça,
entramos numa rua, depois noutra e noutra e chegamos a uma lanchonete de nome
‘Elefantinho’. Ali o Zé já pediu algo pra beber e comida. Veio um senhor lanche,
que devorei com a voracidade de um andarilho.
Depois, bem depois (porque sou
lento nas ideias), descobri o porquê daquilo tudo. Eu já estava acostumado a
comer aquele arroz quebradinho (totó) com miúdos, geralmente cabeça de frango,
que a dona Sebastiana fazia com abundância para atender a si e a nós, seus
hóspedes. Com ela não havia miséria. A comida era farta e até gostosa porque
bem temperada. O que me incomodava era uma coisa: a cabeça do frango costumava
chegar ao meu prato ainda com ‘os olhos’. Mas não com bico porque, justiça seja
feita, a dona Sebastiana tinha lá os seus asseios.
Foi assim que descobri por que o
meu amigo não quis experimentar a minha janta, resolvendo me levar para
lanchar. E a partir de então, foram recorrentes as nossas idas à lanchonete nos
fins de semana. No entanto, embora isso muito me agradasse, preocupava-me o
fato de eu nunca poder pagar ao menos a minha parte, e o amigo não era assim
tão abastado.
Dias atrás, enquanto pensava nesse
passado, resolvi rascunhar esta crônica. Enquanto digitava, recebi notificação em
uma rede social. Do outro lado estava ele, o Zé Elias. Fiquei abobalhado,
porque há tempos a gente não se fala ao telefone nem trocamos mensagens. E o Zé
estava curioso, querendo saber como estou, onde estou e disse que quer me
visitar.
É, a vida é permeada de mistérios.
Como a amizade!
FILIPE
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