sábado, 16 de dezembro de 2023

ZÉ ELIAS


 

Esse aí é o José Elias, também conhecido por Zé Elias ou simplesmente Elias. No entanto, costumo chamá-lo de Zé, mesmo – uma maneira mais simpática de nomeá-lo.

Então, esse amigo está fazendo ‘sessenta anos’ hoje, neste 16 de dezembro. Mentira. Não sei a idade do Zé e esqueci o dia de seu aniversário. Sei que ele tem duas datas, mas não me lembro de nenhuma para comemorar. Por via das dúvidas, decidi que o meu amigo faz ‘sessenta anos hoje’. Tem que ser sessenta, porque que ele é uns dois anos mais novo do que eu.

Então, parabéns, Zé! Talvez você nem saiba que hoje é seu aniversário e menos ainda que está virando ‘sessentão’.

Conheci o Zé Elias há mais de quarenta anos, quando fazíamos o primeiro ano do antigo ‘segundo grau’ em Juiz de fora. O ano era 1981. Na ocasião, eu estava no exército, como soldado-recruta, e o meu amigo ainda era pouco mais do que um garoto. Naquela classe formamos um pequeno grupo de estudos com meia dúzia de colegas, dos quais tenho contato com apenas dois (de nome ‘Zé’). Os demais... nunca mais.

Há pessoas que se gabam de ter dezenas, centenas de amigos. Roberto Carlos era mais ambicioso: queria ter “um milhão de amigos”. No meu caso, a coisa é mais modesta. Os meus amigos podem ser enumerados usando-se apenas uma das mãos; com algum esforço, posso usar a outra mão, mas vai sobrar dedo.

O Zé Elias está nessa primeira contagem e eu poderia apontar inúmeros cruzamentos dos nossos caminhos. No entanto, vou me ater à descrição de apenas uma passagem, que já ilustra com boas tintas a nossa amizade.

Naquele longínquo início dos anos oitenta, o meu salário mal dava para pagar um quarto de pensão que eu dividia com uma figura excêntrica, que se dizia poeta. A pensão, que ficava num prédio antigo e descuidado no centro de Juiz de Fora, pertencia à dona Sebastiana. Ali moravam essa senhora, sua filhinha e uma dezena de rapazes que exerciam atividades das mais variadas: pedreiros, taxistas, camelôs, além do poeta e deste escriba.

Certa vez, já era noite, a campainha tocou. A dona Sebastiana atendeu e me chamou: “Tem um moço querendo falar com você.”  “Ô, dona Sebastiana, esse é o Zé Elias, meu amigo. Entra, Zé. Vou jantar daqui a pouco. Você não quer jantar comigo?” “Não obrigado. Eu só vim aqui um pouquinho e já estou de saída”.

Arrastei meu amigo para a cozinha, torcendo para que ele não aceitasse o convite para jantar, porque, pelas regras, eu não podia oferecer comida dos hóspedes a amigos. Você, que me lê, sabe disso, mas a polidez é uma senhora autoritária e costuma nos obrigar a certas coisas, né?...

Na televisão anunciava-se, para depois da novela, “Morte e Vida Severina”, que eu queria muito assistir. Então pensei: O Zé vai embora, eu pego meu rango e depois assisto a esse musical. Mas que nada... Quando o amigo viu a comida no fogão, mudou de semblante. “Aqui, eu preciso muito trocar uma ideia com você. Vamos descer, depois você volta pra sua janta!”

Desci com o amigo, mas ele parecia não ter nada tão especial pra falar. Saímos do prédio, atravessamos a praça, entramos numa rua, depois noutra e noutra e chegamos a uma lanchonete de nome ‘Elefantinho’. Ali o Zé já pediu algo pra beber e comida. Veio um senhor lanche, que devorei com a voracidade de um andarilho.  

Depois, bem depois (porque sou lento nas ideias), descobri o porquê daquilo tudo. Eu já estava acostumado a comer aquele arroz quebradinho (totó) com miúdos, geralmente cabeça de frango, que a dona Sebastiana fazia com abundância para atender a si e a nós, seus hóspedes. Com ela não havia miséria. A comida era farta e até gostosa porque bem temperada. O que me incomodava era uma coisa: a cabeça do frango costumava chegar ao meu prato ainda com ‘os olhos’. Mas não com bico porque, justiça seja feita, a dona Sebastiana tinha lá os seus asseios.  

Foi assim que descobri por que o meu amigo não quis experimentar a minha janta, resolvendo me levar para lanchar. E a partir de então, foram recorrentes as nossas idas à lanchonete nos fins de semana. No entanto, embora isso muito me agradasse, preocupava-me o fato de eu nunca poder pagar ao menos a minha parte, e o amigo não era assim tão abastado.

Dias atrás, enquanto pensava nesse passado, resolvi rascunhar esta crônica. Enquanto digitava, recebi notificação em uma rede social. Do outro lado estava ele, o Zé Elias. Fiquei abobalhado, porque há tempos a gente não se fala ao telefone nem trocamos mensagens. E o Zé estava curioso, querendo saber como estou, onde estou e disse que quer me visitar.  

É, a vida é permeada de mistérios. Como a amizade!

FILIPE

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