sábado, 17 de fevereiro de 2024

CIDO

 


Eu precisava falar desse senhor aí da foto, porque ele é uma pessoa muito especial.

Estava eu com meus cães fazendo a caminhada de rotina quando vi uma movimentação numa rua acima da minha casa. Havia na calçada uma caçamba cheia de entulhos e, curioso, estiquei os olhos para dentro da garagem quando vi o Cido, que enchia latas de concreto enquanto seu filho manobrava a betoneira.

Ele não sabe que foi fotografado por mim; se soubesse, com certeza não iria gostar.  E, claro que ele também não sabe que estou escrevendo isto aqui. Se souber, talvez fique bravo, e o melhor mesmo é guardar segredo.

Trabalhei com o Cido por uns três anos. Foi ele quem fez a casa onde moro e fez também outra casa cuja construção acompanhei da fundação ao acabamento. Nesses anos de convivência quase diária, de planejamento e ajustes, nunca tive qualquer aborrecimento com o Cido. Claro que isso não diz muita coisa, porque eu posso tê-lo aborrecido. Vai saber...


Durante meses, anos até, eu temia começar a obra que seria esta casa onde moro. Tenho boas razões para isso e há quem concorde comigo. Há muitos pedreiros bons, honestos e responsáveis. Contudo, muitas são as histórias envolvendo obras inacabadas devido a desacertos. Felizmente encontrei o Cido, e com ele as coisas fluíram. Você, raro leitor, se é que o tenho por aqui, vai me entender.

Sabe aquele pedreiro que não pede dinheiro adiantado e só aceita pagamento de acordo com a evolução da obra? Pois esse é o Cido. Sabe aquele pedreiro que comparece ao serviço todos os dias, de segunda a sexta, entrando britanicamente às sete da manhã e saindo às quatro da tarde? Esse também é o Cido. E aquele pedreiro que está sempre bem-humorado, que não é falastrão nem gabola e não explora quem o contrata? Então, esse ainda é o Cido!

Tem mais. O Cido pega um serviço por completo, mas ele sempre abre a possibilidade de que outros “com mais prática”, segundo ele, possa fazer a parte de eletricidade, hidráulica, carpintaria etc. “Eu faço, mas se quiser chamar outro...”, assim ele diz e ainda indica o profissional. Gente, isso é raro! Estou velho, já trabalhei em construção civil e lidei com uma gama desses profissionais, mas o Cido é realmente diferenciado.

Outra particularidade do Cido: ele só trabalha de chinelos. Nunca se viu o Cido calçado de botinas, tênis ou botas durante seu labor. Ele prefere chinelas havaianas, porque “deixa os pés mais leves e livres”. Com elas ele sobe em andaimes, pisa no barro e nos entulhos, desvia de pregos, tropeça... Mas não se machuca! Só Deus mesmo pra proteger o Cido!!

Ah, tem uma história que o Cido me contou e acho que vale a pena registrar. Certa vez, ele estava num andaime, daqueles feitos com eucaliptos, em que se usa uma escada para subir ou descer. De repente, estando Cido lá em cima rebocando a parede, veio uma ventania danada. O andaime vergava e o Cido se segurava como podia. Nisto, a escada, que não estava amarrada, deslizou e caiu, deixando o Cido preso lá nas alturas. A rua era deserta, quase ninguém passava por lá, e a noite vinha.  Por sorte, depois de uns gritos, alguém veio socorrê-lo.

Bom, esse caboclo aí, trabalhador, com jeitão amineirado e meio cismado, é o Cido. O Cido é o cara!!!

FILIPE

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