Eu precisava falar desse senhor
aí da foto, porque ele é uma pessoa muito especial.
Estava eu com meus cães fazendo a
caminhada de rotina quando vi uma movimentação numa rua acima da minha casa.
Havia na calçada uma caçamba cheia de entulhos e, curioso, estiquei os olhos
para dentro da garagem quando vi o Cido, que enchia latas de concreto enquanto
seu filho manobrava a betoneira.
Ele não sabe que foi fotografado
por mim; se soubesse, com certeza não iria gostar. E, claro que ele também não sabe que estou
escrevendo isto aqui. Se souber, talvez fique bravo, e o melhor mesmo é guardar
segredo.
Trabalhei com o Cido por uns três
anos. Foi ele quem fez a casa onde moro e fez também outra casa cuja construção acompanhei da fundação ao acabamento. Nesses anos de convivência quase diária,
de planejamento e ajustes, nunca tive qualquer aborrecimento com o Cido. Claro
que isso não diz muita coisa, porque eu posso tê-lo aborrecido. Vai saber...
Durante meses, anos até, eu temia
começar a obra que seria esta casa onde moro. Tenho boas razões para isso e há
quem concorde comigo. Há muitos pedreiros bons, honestos e responsáveis. Contudo, muitas são as histórias envolvendo obras inacabadas devido a desacertos.
Felizmente encontrei o Cido, e com ele as coisas fluíram. Você, raro leitor, se
é que o tenho por aqui, vai me entender.
Sabe aquele pedreiro que não pede
dinheiro adiantado e só aceita pagamento de acordo com a evolução da obra? Pois
esse é o Cido. Sabe aquele pedreiro que comparece ao serviço todos os dias, de
segunda a sexta, entrando britanicamente
às sete da manhã e saindo às quatro da tarde? Esse também é o Cido. E aquele
pedreiro que está sempre bem-humorado, que não é falastrão nem gabola e não
explora quem o contrata? Então, esse ainda é o Cido!
Tem mais. O Cido pega um serviço
por completo, mas ele sempre abre a possibilidade de que outros “com mais
prática”, segundo ele, possa fazer a parte de eletricidade, hidráulica,
carpintaria etc. “Eu faço, mas se quiser chamar outro...”, assim ele diz e
ainda indica o profissional. Gente, isso é raro! Estou velho, já trabalhei em
construção civil e lidei com uma gama desses profissionais, mas o Cido é realmente
diferenciado.
Outra particularidade do Cido:
ele só trabalha de chinelos. Nunca se viu o Cido calçado de botinas, tênis ou
botas durante seu labor. Ele prefere chinelas havaianas, porque “deixa os pés
mais leves e livres”. Com elas ele sobe em andaimes, pisa no barro e nos entulhos,
desvia de pregos, tropeça... Mas não se machuca! Só Deus mesmo pra proteger o
Cido!!
Ah, tem uma história que o Cido
me contou e acho que vale a pena registrar. Certa vez, ele estava num andaime,
daqueles feitos com eucaliptos, em que se usa uma escada para subir ou descer. De
repente, estando Cido lá em cima rebocando a parede, veio uma ventania danada.
O andaime vergava e o Cido se segurava como podia. Nisto, a escada, que não
estava amarrada, deslizou e caiu, deixando o Cido preso lá nas alturas. A rua
era deserta, quase ninguém passava por lá, e a noite vinha. Por sorte, depois de uns gritos, alguém veio
socorrê-lo.
Bom, esse caboclo aí, trabalhador,
com jeitão amineirado e meio cismado, é o Cido. O Cido é o cara!!!
FILIPE
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