Numa manhã fria deste inverno, era
sábado, desci do táxi, apertei a campainha e resolvi chamar também, que era pra
garantir que eu estava ali. Tenho uma regra não escrita: não se deve apertar a
campainha mais de uma vez. Se for algo urgente, aperte a segunda vez; caso não seja
atendido, dê sossego, não seja inconveniente, caia fora!
Dessa vez, nem precisei chamar novamente,
porque a bondosa senhora já veio descendo lentamente a escada. Como boa mineira
que é, chegou cabreira e, ao me reconhecer, um sorriso desanuviou-lhe o
semblante. Eu fiquei orgulhoso de ser reconhecido pela dona Fia, abobado mesmo,
e explico o porquê, mas ao final da crônica.
A dona Fia abriu o portão e me
convidou pra entrar. Aceitei, é claro,
mas com a ressalva de que seria por apenas uns minutinhos. Fomos subindo devagarinho
enquanto ela falava do frio e da nova rotina, agora sem o companheiro de vida
por mais de setenta anos.
Primo de meu avô materno, seu
esposo era um homem de hábitos finos, poucas palavras e grande sabença. Na
última vez que os visitei, embora adoentado, ele estava muito alegre e
receptivo. Engatamos uma prosa sobre o antigo casarão que pertenceu à família,
mas fomos interrompidos pela campainha. Pensando que fosse algo rápido, pediu
licença pra atender, mas a visita pôs fim à nossa conversa, me deixando
bastante frustrado.
De volta à dona Fia. Terminado de
subir a longa escada, fomos direto pra cozinha. Mineiros são assim: recebem pessoas
próximas na cozinha; a sala é mais solene e serve para alguém sem a intimidade
da casa, como aquela visita já citada acima. Diante de mim havia uma mesa farta com tudo de
bom: café, leite, chá, pão, bolo, queijo etc.
“Tome um café...” “Obrigado. Não
tomo café.” “Então tome um chá... Tem
pão, bolo... Experimente esse queijo.” Comi um pedaço de queijo e ataquei o bolo,
mas que bolo! “Quem fez o bolo?” “Eu!”. Comi outro pedaço, mas de guloso,
porque eu estava de bucho cheio. Assim que “apeei” do ônibus na rodoviária, fui
a uma lanchonete e peguei um achocolatado e um baita pedaço de bolo de fubá.
A dona Fia queria que eu sentasse
e esperasse pelos filhos, mas eu tinha pressa e um táxi me esperando. Ela
lamentou: “Que pena... Você poderia ficar para o almoço. Quando voltar aqui,
venha sem pressa, venha almoçar e se quiser ficar, há muitos quartos nesta
casa. Moro sozinha, mas uma filha fica comigo à noite. Ela está viajando, e de
tardinha já deve chegar. Eu nunca estou só. Meus filhos são muito bons pra mim,
volta e meia estão aqui. Agora mesmo saiu um. Acho que você até encontrou com
ele por aí, não?... Ele acabou de sair e você chegou.” “Não, não vi e acho que
também não reconheço. Faz tempos que não vejo seus filhos.”
Conversa vai, conversa vem, o
tempo foi passando e o amigo taxista lá embaixo me esperando. Mas deu tempo pra
falar de muita coisa naqueles dez ou quinze minutos. “Seu nome é Eva, né?...
Por que Fia?” “Ah, quando menina, meus irmãos começaram a me chamar de Vininha.
Não gostei. Depois começaram com Vinica. Não gostei também. Então papai falou pra me chamar de Fia. Eu
achei que era bubiça ficar reclamando
e aceitei.”
A dona Fia é dessas mulheres
maravilhosas, que raramente se vê por aí. Ela parece ter saído das páginas de
um livro de histórias infantis, daqueles lidos pela nossa primeira professora.
Ela é uma senhora com quem a gente se senta e conversa por horas sem se cansar.
Para mim ela é como uma tia muito querida – e eu tenho tias muito queridas!
Ah, a dona Fia é muito especial e
sempre tive vontade de lhe pedir a bênção. Bença, dona Fia!
FILIPE
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