sábado, 6 de julho de 2024

O IPÊ-ROSA

 


“Plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro!” Essa seria, na visão de um poeta, a missão de todos ao longo da vida. De minha parte, já plantei algumas árvores, tive uma filha, mas nunca escrevi livro. Por outro lado, meu pai teve muitos filhos, plantou muitas árvores e escreveu três livros. Dessa forma, estou em dívida com a vida; já meu pai cumpriu com folga a missão.

Deixando de lado o poeta e seus anseios, quero falar do ipê cuja foto abre esta crônica. Essa árvore foi plantada no sítio da família onde mora minha irmã mais velha quando completei ‘trinta anos’. Meu pai escolheu o lugar e fez a cova; eu apenas ajustei a plantinha no buraco e apertei a terra ao redor com cuidado para não lhe ferir as incipientes raízes.

Tempos antes, quando fiz dezoito anos, meu pai me pediu para plantar uma árvore. Ele me deu a muda de um abacateiro e me acompanhou ao quintal de sua casa, lá na Montanha Santa, onde o plantamos. Infelizmente, aquele pé de abacate não vingou.

A história do aguerrido ipê começou no início de dezembro de 1991, quando eu terminava a licenciatura na Fundação Santo André. Ansioso com o resultado das provas finais, cheguei apreensivo no dia marcado para a publicação a fim de ver a minha situação. Havia três possibilidades para mim: estaria aprovado, iria para exame ou estaria reprovado. Para minha alegria, fui aprovado em todas as disciplinas. De um aluno mediano como eu, é claro que não se esperaria brilho nas notas. A mim, pouco importava certos louros tão sonhados por tantos. Desejando apenas seguir a vida sem amarras nem pendências escolares, uma clareira se abria para mim naquele dia.  Talvez o jovem leitor não saiba, mas houve tempos em que muitos alunos abandonavam a faculdade em razão das ‘dependências’ que tanto nos fustigavam.

Pois naquela manhã ensolarada de fim de primavera, eu tinha razões para estar muito feliz e não sabia se cantava, se assobiava ou saltitava. Eu não cabia em mim de tanta satisfação. Saindo do prédio da Fundação, descendo uma ladeira entre canteiros de folhagens sob grandes árvores floridas, vi uns homens cuidando daquele jardim. Sem que eu tenha planejado qualquer coisa, me veio de súbito um desejo e resolvi pedir uma plantinha como recordação daquele campus. Poderia ser mudinha de árvore, flor, folhagem, cipó ou até capim. Eu queria uma lembrança da minha faculdade. Então, um daqueles senhores me pediu pra esperar e saiu. Passados uns minutos, ele retornou com uma pequena muda de ipê, que só anos depois soubemos tratar-se de ipê-rosa.

Aquela que fora a menor das plantinhas no quintal da ‘irmã mais velha’, cresceu em silêncio e sem pressa, tornando-se árvore frondosa. Seus galhos folhosos e floridos alcançam as alturas, bem acima da espessa vegetação ao redor, donde sorvem os primeiros raios de sol da manhã.

Naquele derradeiro chão de meus pais, o ipê-rosa guarda consigo a memória de muitos acontecimentos: alegres chegadas, ruidosos encontros, animados festejos e tristes despedidas.

FILIPE

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