Não, eu não queria estar em destaque nessa foto, mas não tive
escolha. Isso porque nessa imagem estou pegando na mão da professora que me
ensinou as primeiras letras, e eu teria de fazer esse registro aqui. Foi a dona
Aída quem me ensinou a pegar o lápis para que eu pudesse fazer meus primeiros
rabiscos, desenhando as vogais, algumas consoantes e o meu nome. Foi ela também
quem me conduziu ao universo escolar, do qual nunca mais me desvencilhei.
Durante a breve visita àquela senhora, por quem tenho um sentimento
filial, a minha memória foi desnovelando cenas de um passado muito distante.
Naqueles poucos minutos, pude rever a jovem professora entrando na sala de aula
com seus livros, seu sorriso e seu perfume. Depois de um animado boa-tarde, ela
escrevia algo no quadro-negro e, em seguida, visitava cada aluno, orientando-os
carinhosamente nas lições.
A nossa escola funcionava num velho prédio que meu avô paterno
ajudou a construir. A minha sala de aula era um pequeno cômodo no porão, que
todos chamavam de “galinheiro” porque ali teria sido dormitório, maternidade e
berçário de galinhas. Embora precária, aquela sala de aula tinha o básico: um
quadro-negro, que era uma placa de compensado pintada de preto apoiada em dois
cavaletes; bancos de madeira rústicos e compridos, acompanhados de mesinhas
estreitas com o mesmo comprimento do banco, cabendo em cada “carteira” uns
cinco ou seis alunos; mais coisas não tinha, também delas não houve
carecimento. Havia nos fundos o pátio – um grande terreiro com algumas árvores frutíferas,
dentre elas um abacateiro e um pé de coração-da-índia. Bem ao lado da
nossa sala de aula, ficava a ‘casinha’, que era uma privada sem lavatório nem
papel higiênico, para onde os alunos acorriam a fim de resolver suas urgências.
Não tínhamos cartilha para as ‘primeiras letras’ nem outro
material didático. As crianças usavam apenas lápis, borracha e um caderninho
brochura de 24, 36, 48 ou 60 folhas. A grossura do caderno variava conforme a
classe social do aluno. Eu mesmo não me lembro de ter usado um caderno de 60
folhas – um luxo para os mais abastados.
O tema aqui não deveria ser essas reminiscências, mas a dona Aída
a quem dedico esta crônica.
Pois então, era uma manhã de sábado, fria e de sol morno, quando
apertei a campainha da casa da professora. O meu amigo taxista, sabendo
que eu não demoraria, preferiu esperar no carro. Sem que houvesse a necessidade
de apertar a campainha novamente, fui calorosamente recebido pela filha Adaíse
e sua matilha. Preocupada, ela me perguntou se eu tinha medo dos cães,
afirmando serem eles mansinhos, mas, se preciso, ela daria um jeito. Afastei
essa preocupação, dizendo que amo bichinhos e me sinto amado por eles também –
desde que não sejam ferozes, é claro. Essa última parte eu não disse, mas nem
precisava.
Entramos e me reencontrei com a amada professora. Conversamos um
pouco e ela me pareceu muito contente com a visita. Adaíse me contou de sua
rotina, dos cuidados com a mãe e da alegria em poder lhe oferecer dignidade
nessa fase da vida. Tendo comigo uma regra de que ‘a acamados a
visita não deve passar de dez minutos’, fizemos uma prece e me
despedi, deixando aquela casa com a leveza de quem sai de um templo após
profunda contemplação.
FILIPE
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