sábado, 3 de agosto de 2024

DONA AÍDA, A MINHA PRIMEIRA PROFESSORA

 


Não, eu não queria estar em destaque nessa foto, mas não tive escolha. Isso porque nessa imagem estou pegando na mão da professora que me ensinou as primeiras letras, e eu teria de fazer esse registro aqui. Foi a dona Aída quem me ensinou a pegar o lápis para que eu pudesse fazer meus primeiros rabiscos, desenhando as vogais, algumas consoantes e o meu nome. Foi ela também quem me conduziu ao universo escolar, do qual nunca mais me desvencilhei.

Durante a breve visita àquela senhora, por quem tenho um sentimento filial, a minha memória foi desnovelando cenas de um passado muito distante. Naqueles poucos minutos, pude rever a jovem professora entrando na sala de aula com seus livros, seu sorriso e seu perfume. Depois de um animado boa-tarde, ela escrevia algo no quadro-negro e, em seguida, visitava cada aluno, orientando-os carinhosamente nas lições.

A nossa escola funcionava num velho prédio que meu avô paterno ajudou a construir. A minha sala de aula era um pequeno cômodo no porão, que todos chamavam de “galinheiro” porque ali teria sido dormitório, maternidade e berçário de galinhas. Embora precária, aquela sala de aula tinha o básico: um quadro-negro, que era uma placa de compensado pintada de preto apoiada em dois cavaletes; bancos de madeira rústicos e compridos, acompanhados de mesinhas estreitas com o mesmo comprimento do banco, cabendo em cada “carteira” uns cinco ou seis alunos; mais coisas não tinha, também delas não houve carecimento. Havia nos fundos o pátio – um grande terreiro com algumas árvores frutíferas, dentre elas um abacateiro e um pé de coração-da-índia.  Bem ao lado da nossa sala de aula, ficava a ‘casinha’, que era uma privada sem lavatório nem papel higiênico, para onde os alunos acorriam a fim de resolver suas urgências.

Não tínhamos cartilha para as ‘primeiras letras’ nem outro material didático. As crianças usavam apenas lápis, borracha e um caderninho brochura de 24, 36, 48 ou 60 folhas. A grossura do caderno variava conforme a classe social do aluno. Eu mesmo não me lembro de ter usado um caderno de 60 folhas – um luxo para os mais abastados.

O tema aqui não deveria ser essas reminiscências, mas a dona Aída a quem dedico esta crônica.

Pois então, era uma manhã de sábado, fria e de sol morno, quando apertei a campainha da casa da professora.  O meu amigo taxista, sabendo que eu não demoraria, preferiu esperar no carro. Sem que houvesse a necessidade de apertar a campainha novamente, fui calorosamente recebido pela filha Adaíse e sua matilha. Preocupada, ela me perguntou se eu tinha medo dos cães, afirmando serem eles mansinhos, mas, se preciso, ela daria um jeito. Afastei essa preocupação, dizendo que amo bichinhos e me sinto amado por eles também – desde que não sejam ferozes, é claro. Essa última parte eu não disse, mas nem precisava.

Entramos e me reencontrei com a amada professora. Conversamos um pouco e ela me pareceu muito contente com a visita. Adaíse me contou de sua rotina, dos cuidados com a mãe e da alegria em poder lhe oferecer dignidade nessa fase da vida.  Tendo comigo uma regra de que ‘a acamados a visita não deve passar de dez minutos’, fizemos uma prece e me despedi, deixando aquela casa com a leveza de quem sai de um templo após profunda contemplação.

FILIPE

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